Livros, Resenha

A MULHER SILENCIOSA, de A. S. A. Harrison

A Mulher Silenciosa, de A. S. A. Harrison, tem um precedente diferente do habitual em romances policiais: desde o início do livro, o leitor sabe quem é a assassina e conhece seus motivos. O enredo conta a vida do casal Jodi Brett e Todd Gilbert. Jodi é uma psicóloga que atende seus clientes em meio período e se dedica quase integralmente a seu marido e a sua casa, enquanto Todd é um empreiteiro bem-sucedido que trai a mulher com frequência.

Narrado em terceira pessoa, A Mulher Silenciosa traz um ponto de vista interessante sobre seus personagens. Onisciente, a voz que fala esquadrinha os pensamentos e sentimentos de Jodi e Todd, sendo os capítulos divididos entre “Ele” e “Ela”. O narrador acompanha os movimentos dos personagens em tempo real e faz digressões entre futuro e passado. Esse tipo de escolha narrativa não é muito comum, mas coube muito bem dentro do livro e cumpriu com excelência a função de trazer o ponto de vista dos protagonistas.

Jodi é uma mulher disfuncional e isso o leitor percebe o tempo inteiro. Perdoando as constantes traições do marido, vivendo quase exclusivamente para seu casamento e sua casa e sendo praticamente alheia à vida, Jodi parece, no entanto, ter a vida perfeita. Fica claro que a mulher repete o comportamento de sua mãe, que se omitia em relação aos desejos e vontades do pai. Quando criança, os pais de Jodi chegavam a passar semanas sem se falar. Esse tipo de silêncio se estende ao relacionamento dela com Todd e é possível perceber que toda a estrutura do casamento dos dois é disfuncional. Jodi não aceita se casar com o Sr. Gilbert no cartório por não achar necessário e isso é só uma prova de como ela acredita que a vida é simples. Quando Todd decide abandoná-la para ir viver com a jovem mulher que engravidou, Jodi se recusa a acreditar e continua escondida atrás de seu véu de casa perfeita e silêncios. A personalidade da Srta. Brett é tão disfuncional que chega a ser incômoda, como uma pequena farpa no dedo que não conseguimos esquecer.

a mulher silenciosa

Todd é um personagem igualmente complexo. Ele abandona Jodi para viver com Natasha, mas se arrepende dessa decisão a cada segundo. Todd luta para tomar as rédeas da sua vida, ser protagonista dela, mas acaba se tornando telespectador do próprio futuro e se ressente disso quando o percebe. O Sr. Gilbert também repete o comportamento disfuncional do pai, que era alcóolatra. Todd não tem problemas com bebida, mas via na bebida do pai uma amante e é exatamente esse o comportamento que ele copia: fidelidade é impossível para ele. Tentando se afastar cada vez mais dessa figura paterna, Todd não percebe que se aproxima dessa imagem mais e mais.

O casamento, ou união, de Jodi e Todd aparece quase como um personagem dentro do livro. A dinâmica disfuncional que parece funcionar muito bem para os dois é como uma bomba prestes a explodir. O leitor espera gritos e desesperos que não vêm, quebra-quebras que não acontecem e uma explosão que não aparece. Isso é o mais surpreendente. Como figura personificada, o relacionamento dos dois é silencioso e desconhecido. Quando Jodi decide matar Todd, simplesmente faz sentido. Mas até isso é calma e brisa. A mulher se desespera quando recebe a notícia da morte do marido e o luto de Jodi é o momento em que ela aparece mais viva durante a história. Quando o casamento se desfaz, a Srta. Brett aparece.

O desfecho do livro tem uma pequena reviravolta e poderia ser comparado ao formato de Crime e Castigo, em que a punição pelo crime acontece muito mais em forma de culpa do que em justiça formal. Jodi definha até que encontre uma maneira de se perdoar e seguir em frente, até que consiga encontrar desculpas para si mesma. Em seções anteriores de terapia, ela lembra de momentos ruins de sua infância, até então tão escondidos dentro de si que pareciam impossíveis de terem acontecido. Ao fim do livro, Jodi decide trancar seus traumas dentro de si. É o ápice da personalidade dela aparecendo. O leitor pode facilmente perceber que Jodi é uma mulher que prefere esconder as coisas de si mesma e que não sabe lutar contra seus fantasmas. Sua forma de lidar com as coisas é uma criando uma vida perfeita.

A Mulher Silenciosa é um livro para ser amado ou odiado. Tem um formato incomum dentro do repertório dos romances policiais e traz muito mais reflexão sobre as personalidades de Jodi e Todd do que sobre o assassinato em si. As cenas de investigação são quase nulas, o assassinato acontece já nas últimas 50 páginas do livro e a resolução é rápida. O enredo se prende à vida de casal, às minúcias do relacionamento, aos pensamentos e sentimentos de seus personagens e traz um retrato de como uma psicóloga com uma aparente vida perfeita decide matar seu marido. A Mulher Silenciosa, como o nome diz, é um retrato do silêncio. O único grito de Jodi é o luto, talvez mais pelo casamento do que pelo marido em si. A obra é espetacular, mas pode ser parada e entediante também. Tudo depende do ponto de vista, do que o leitor procura e do que está disposto a aceitar de um livro. O livro de A. S. A. Harrison é uma preciosidade e, até lê-lo, o leitor pode pensar que é impossível construir um enredo tão cheio de silêncios e mesmo assim falar tanto sobre a mente humana.

“Chegava ao consultório dele e dizia: “Doutor, eu amo a minha vida e sou feliz. O que devo fazer?” E Gerard respondia: “Não se preocupe. Eu sei a cura”.”

FICHA TÉCNICA

Título: A Mulher Silenciosa
Páginas: 256
Editora: Intrínseca
Ano: 2014
Assunto: Thriller psicológico
Idioma: Português

NOTA - 5 XÍCARAS

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